Alegoria: Portugal (o dragão) vence à Espanha (o leão).
Alegoria: Portugal (o dragão) vence à Espanha (o leão).
(Detalhe da folha de rosto da "Lusitania Liberata", de Antônio Souza de Macedo) 
  Memória
da Justiça Brasileira - 2
Capítulo 2

Restauração:
Conservação e Reformas

Nada, no processo da Restauração, foi revolucionário. O próprio ato de tomar o poder foi executado em forma quase incruenta, através de um golpe palaciano que - ausente o rei, que residia na Espanha, - limitou-se a depor a Vice-Rainha, Duquesa de Mântua. As tropas estacionadas em Lisboa foram facilmente imobilizadas e a Espanha, que já estava em guerra e com as forças espalhadas pelas diversas frentes, não teve recursos para desencadear uma ofensiva de grandes proporções contra o novo adversário.

Comandando um Portugal também enfraquecido, atrelado, até esse momento, às guerras da Espanha e precisando consolidar uma autoridade que até mesmo o Papa se negava a reconhecer, D João optou pelo caminho da negociação e da propaganda, evitando qualquer medida que pudesse colocá-lo num risco maior. As prédicas de Coimbra - único elemento verdadeiramente revolucionário - não foram incorporadas ao discurso oficial, que insistia na defesa dos seus direitos pela via da sucessão familiar. Apenas quando os argumentos genealógicos resultavam infrutíferos, os representantes da Coroa ensaiavam, timidamente, a tese da soberania popular. Enfatizavam, nesses casos, os males da dominação espanhola, justificando, assim, uma ação popular puramente defensiva. Evitavam aludir diretamente à afirmação - ainda potencialmente subversiva - de que os povos têm o direito de escolher e delegam o poder pela via de um contrato, expresso ou tácito, reservando-se o direito de retirá-lo de quem descumpra as condições acordadas. Ele mesmo rei e representante natural da nobreza, D. João podia até negociar com os setores populares, mas dificilmente aceitaria condicionar a eles o seu direito à permanência no trono.

Mesmo assim, a situação exigia certas concessões. D. João IV esperava, inicialmente, contar com o apoio dos inimigos da Espanha. Pouco tardou em descobrir que Portugal lhes era mais útil como inimigo que como aliado. Empobrecido e com as suas forças armadas obsoletas e desarticuladas, pouca ajuda poderia oferecer aos seus amigos potenciais. Pelo contrário, dono ainda de um grande império colonial, disperso e vulnerável, Portugal era uma tentação para os desejos expansionistas das outras potências. Grandes áreas do seu território permaneciam ocupadas. As restantes, já precariamente protegidas no período precedente, ficavam ainda mais expostas à cobiça dos invasores. Por sua parte, os espanhóis, embora impossibilitados, como já foi dito, para uma ação armada de grandes proporções, complementavam suas tentativas com um amplo trabalho de contra-propaganda, a contestar os direitos da casa de Bragança e gerar, no contexto internacional, uma aparência de instabilidade que em nada ajudava os propósitos de D. João.

A guerra em várias frentes era, portanto, inevitável, e, como já evidenciava a recente experiência espanhola, não era possível fazer guerra sem dinheiro. Assumindo a condução de um reino praticamente falido, D. João percebeu imediatamente que se encontrava numa situação difícil. Não podia - ao menos de imediato - obter novos recursos sem aumentar os impostos, mas esse excesso de impostos tinha sido uma das justificativas da sublevação que o levara ao trono. Assim, as Cortes convocadas em 1641 tinham um duplo objetivo: Confirmar a posse do novo soberano e consentir as novas contribuições, que não poderiam ser implementadas de outra maneira, sem risco de sérias convulsões sociais.

Às Cortes, abertas em 28 de janeiro de 1641 - menos de dois meses depois do movimento que depusera a duquesa de Mântua - foram convocados "os Tres Estados do Reino, tendo precedido a acclamação, e juramento solemne, preito e homenagem, que por elles me foi feito, como a seu verdadeiro e legitimo Rei, e Senhor natural, com o acto de juramento, em que na fórma costumada jurei de lhes guardar seus bons costumes, privilegios, graças, liberdades e franquezas, que pelos Senhores Reis meus Antecessores lhes foram outorgados e confirmados". Mas não era fácil comprovar esses privilégios. Muitos deles vinham de épocas remotas. Outros, mais recentes, foram concedidos pelos reis espanhóis e deveriam ser reavaliados cuidadosamente para resolver pela sua manutenção ou derrogação. À tentação de anular todos eles, de ofício, opunham-se, não somente, o real merecimento com que alguns deles poderiam ter sido concedidos, mas, também, o interesse político de não criar atritos desnecessários com os setores por eles beneficiados. Assim, D. João optou por encomendar ao Desembargo do Paço o despacho das confirmações respectivas "que se me enviaráõ a assignar, com advertencia de que se por alguns constar que são contra o bem commum do Povo, ou meu serviço, se me dará conta primeiro". Enquanto os despachos não fossem publicados, foi concedido "que elles gozem e usem das Cartas de privilêgios [...] de que estiverem de posse". Quanto às novas mercês que lhe foram requisitadas, D. João mandou consultar e deferir "pelos Ministros a que toca", cabendo aos escrivães das respectivas câmaras correr "com as lembranças [...] e seus papeis, [...] lembrando a resposta e despacho".

Mais especificamente condicionadas pelo aspecto econômico, as Cortes de 1641 derivaram na constituição da Junta dos Três Estados, primeiro corpo estável, ao nível da Coroa, a incluir não apenas membros do clero e da nobreza, mas também do povo, composto, inicialmente, pelo conde da Vidigueira, em representação da nobreza, o bispo de Targa, pelo clero, e António de Alcáçova, em representação das classes populares. Viabilizava-se, assim, a aplicação e controle de uma bateria de impostos emergenciais: sobre a propriedade (10%), sobre as rendas do clero (em proporção aos rendimentos de cada diocese), sobre o rendimento dos cargos e ofícios, sobre as transações comerciais etc. Por sua parte, as câmaras resolveram, individualmente, aportes adicionais. A de Lisboa, por exemplo, aumentou os impostos sobre a carne e o vinho, oferecendo a diferença a ser obtida para o esforço de guerra. Mas, em troca desse apoio político e econômico, a nascente dinastia de Bragança via-se forçada a conceder participação estável no governo a classes que nunca antes tinham chegado a esse nível.

As Leis da Restauração

O respaldo político consolidado através das Cortes e a confirmação provisória dos forais e privilégios setoriais eram passos importantes para o estabelecimento de uma continuidade administrativa, fator este extremamente necessário para enfrentar, sem grandes conflitos internos, os inevitáveis problemas internacionais. Mas, do ponto de vista jurídico, essa continuidade não poderia ser obtida sem antes convalidar a legislação geral do Reino. Fora a volumosa legislação extravagante, leis fundamentais, como os regimentos das Relações, da Casa da Suplicação e as próprias Ordenações do Reino foram escritas ou reformadas durante o período filipino. A sua confirmação convalidaria, juridicamente, tudo o que fora atuado por reis usurpadores, membros de uma dinastia ilegitimamente constituída. Por outra parte, a sua derrogação obrigaria a voltar a uma legislação antiga e, em boa medida, obsoleta, e a deixar sem qualquer base legal os órgãos e instituições criados nesse período, que não constavam com legislação anterior que pudesse suprir a falta da então derrogada. Refazer, de imediato, um corpo legal gerado em sessenta anos, era não apenas impossível mas, principalmente, alheio às prioridades da Restauração. No entanto, o custo político de confirmar a obra legislativa dos felipes, em plena época de efervescência anti-espanhola, era grande demais.

Parece, pelos documentos existentes, que D. João IV não quis assumir esse custo de imediato. As leis dos primeiros anos versam sobre assuntos particulares, sem nenhuma delas confirmar explicitamente as Ordenações, mas referindo-se a elas com bastante naturalidade. Diversas ordenações são citadas - algumas, textualmente - indicando-se números de livro e título, e é constante a ressalva "sem embargo da Ordenação em contrário", habitual, desde épocas anteriores, para convalidar disposições que não cumprissem integralmente as formas prescritas.

São escassas as disposições relativas à administração de justiça, notoriamente afastada das prioridades do momento. Entre elas, destaca-se, pela detalhada visão do panorama carcerário, a de 31 de março de 1642, que recomenda a observância de dois regimentos do período filipino: o dos quadrilheiros, de 1603, e o dos bairros, de 1608, a cujo descumprimento atribui o crescimento da violência urbana e a ineficácia do policiamento. Alusões ao descumprimento das leis, como as contidas nesse documento, são constantes na legislação da época. O alvará intima a tirar as devassas "dentro do tempo prefixo [...] sem que para as dilatarem por mais tempo, se possão valer de escusa alguma". Considera, também o tempo de processo e julgamento, que demora "muitas vezes tantos annos, que ou não chega a executar-se o castigo nos Reos, por terem fallecido antes, ou se executa a tempo, que já não lembra o delicto", mandando respeitar o prazo máximo de seis meses, já estabelecido na legislação. A impossibilidade de dar andamento em tempo a todos os processos era amenizada, mensalmente, com "visitas" às cadeias, em que se julgava sumariamente os delitos de apreciação mais simples, condenando ou liberando os presos sem maiores formalidades. Essa freqüência é considerada insuficiente para avaliar corretamente o número de presos existente, que "ou se perpetuão, e morrem nas cadêas, ou são soltos impunemente, com o fundamento de não terem culpa formada", razão pela qual se autoriza a repetição das visitas com a freqüência que for necessária e o julgamento, por esse meio, de diversas causas que até então exigiam processo formal. Analisa, ainda, as "causas dos presos pobres", nas quais "costumão ser maiores as demoras, porque depois de pronunciados, não tendo meios para prepararem os seus livramentos, repugnão os Escrivães continuar os processos sem lhes pagar".

Constantemente, o alvará insiste na obediência às Ordenações, não deixando dúvida de que estivessem em pleno vigor. Mas não devia faltar quem se aproveitasse da falta de uma definição categórica para tentar torcer a justiça conforme os seus interesses. Essa situação foi definitivamente encerrada em 29 de janeiro de 1643, quando, já mais estável politicamente, D. João IV confirmou, explicitamente, a vigência das Ordenações Filipinas e de todos os instrumentos legais sancionados pelos monarcas espanhóis.

Criação do Conselho Ultramarino

Na estrutura de governo, a primeira reforma importante, efetuada em 11 de dezembro de 1640 - antes mesmo de D. João IV ser aclamado nas Cortes - foi a criação do Conselho de Guerra, imprescindível à ação defensiva contra Espanha. O Conselho da Fazenda, já existente nos reinados anteriores, foi reformado por decretos de 7 de janeiro de 1641 e 13 de fevereiro de 1642. Não foram alteradas as estruturas do Desembargo do Paço, da Mesa da Consciência e da Casa da Suplicação. Da Secretaria de Estado, já existente, foi desmembrada, em 1643, a Secretaria das Mercês. Mas a principal mudança para as colônias foi a criação do Conselho Ultramarino, versão remodelada do antigo Conselho da Índia.

Existe uma diferença de datas entre o regimento do Conselho e o decreto que o instituiu. Enquanto o regimento registra "14 dias do mez de julho de 1642", o decreto, do mesmo dia e mês, consigna o ano de 1643. Já houve historiador que postulasse, baseado em casos similares, a possibilidade de o Conselho ter sido regimentado numa data e instituído em outra posterior, mas a semelhança quase absoluta entre as duas - diferem, apenas, no último dígito do ano - torna mais lógica a possibilidade de um simples erro. Das duas, parece mais certa a do decreto, não apenas por estar referendada por diversos outros documentos mas por ser erro mais usual a colocação de um ano já passado do que de um ano por vir.

A instalação efetiva do Conselho aconteceu em 2 de dezembro de 1643, sendo seu primeiro presidente D. Jorge de Mascarenhas, marquês de Montalvão e antigo vice-rei do Brasil. Foram conselheiros de capa e espada Jorge de Albuquerque e Jorge de Castilho e conselheiro letrado o Dr. João Delgado Figueira.

O regimento reproduz - em alguns trechos, textualmente, - o do antigo Conselho da Índia e demais Domínios Ultramarinos, criado por Felipe III em 1604. A denominação, mais genérica, de Conselho Ultramarino - que, no dizer de diversos historiadores, reflete a menor incidência das possessões orientais no balanço econômico do império colonial português - não se encontra claramente explicitada no regimento, que começa referindo-se ao novo órgão como "um Conselho" ou "o dito Conselho". A denominação "ultramarino" aparece, apenas, nos artigos 8 e 12, sem destaque nenhum e em minúsculas, indicando que ainda não formava, oficialmente, parte do nome. Antes, o prólogo refere-se ao "bom governo do Estado da India e dos mais Ultramarinos" e no artigo 1º, que determina a composição do Conselho, se estabelece que o presidente deve ser sempre "o Vedor da Fazenda da repartição da India", e o Secretário, "o Escrivão do mesmo Conselho da Fazenda da repartição da India"4. Por outra parte, a absoluta identidade de ambos os Conselhos é confirmada pela ata da primeira sessão, que se refere ao regimento de 1604 como o "regimento velho" e ao de 1643 como "o novo que por ele se fez".

A jurisdição do Conselho está definida no artigo 5º, que o incumbia de "todas as materias e negocios, de qualquer qualidade que forem, tocantes aos ditos Estados da India, Brasil e Guiné, Ilhas de S. Thomé e Cabo Verde, e de todas as mais partes Ultramarinas", excluindo, explicitamente, "as Ilhas dos Açores e Madeira, e Lugares de Africa". Essas incumbências envolviam, também, "a administração da fazenda dos ditos Estados", mas, visando evitar os conflitos de jurisdição que agitaram a vida do antigo Conselho, separava "a que delles vier ao Reino", que "se administrará pelo Conselho da Fazenda". O mesmo critério levaria a retirar da jurisdição "a Provisão dos Bispados e mais Lugares e negocios Ecclesiasticos", que seriam feitas "pelo modo e forma, que atégora se fazião", ou seja, através da Mesa da Consciência e Ordens, que fora outro fator de freqüentes conflitos com o Conselho da Índia. Reduzia-se, assim, a composição do Conselho a três membros, sendo "dous Conselheiros de capa e espada - ou seja, militares, da nobreza do Reino - e um Letrado". Omitia-se a figura do canonista, não mais necessária em virtude dessa limitação.

Feita, apenas, essa exclusão, deveria passar pelo Conselho "o provimento de todos os Officios de Justiça e Fazenda" bem como "as Cartas e Provisões, que delles se houverem de levar os Vice-Reis, Governadores e Capitães, que para as ditas partes forem providos". A ele deveriam ser endereçadas "todas as Cartas e despachos, que se me enviarem de todos os Ministros, Prelados, e quaesquer outras pessoas dos ditos Estados", competindo aos conselheiros letrados "os negocios tocantes á guerra, e as Cartas e papeis do Vice-Rei, Governador e Capitães" e ao letrado "todas as materias de Justiça".

A Relação da Bahia

Embora a guerra contra a Holanda continuasse, a separação da Espanha conseguira esfriar o conflito, que se encontrava virtualmente restrito às áreas já ocupadas. A restauração da nacionalidade e a relativa tranqüilidade fizeram renascer reivindicações postergadas pela longa crise. A Relação, desativada desde 1626, tornou a ser motivo de conversas e petições. Não fora alheia a Câmara de Salvador à sua supressão, devida explicitamente ao esforço de guerra mas derivada ou, pelo menos, facilitada pelas freqüentes reclamações dos moradores que se sentiam lesados pelas suas decisões. Mas a necessidade de recorrer à Casa da Suplicação provocava incômodos e despesas e a própria Câmara, em memorial encaminhado através do seu procurador em Lisboa, tomou a iniciativa de pedir a reinstalação.

O problema não era simples. Os baianos queriam o tribunal mas receavam que os fatos que motivaram as passadas queixas fossem renovados. Assim, visando evitar os compromissos que tolhiam a isenção dos desembargadores, solicitavam que "não sejam providos nella Dezembargadores pessoas que sejão moradores nesta Cidade pelos inconvenientes que disso sucedem [...] pelas obrigações que lhes ocorrem de seus parentes e de suas molheres".

Essa limitação não seria, inicialmente, atendida pela Coroa. A primeira turma de desembargadores, empossada em 1653, incluiria o pernambucano Simão Alvares de La Penha e, pouco depois, o baiano Cristóvão de Burgos viria também a integrar o tribunal. Mas os conflitos não demoraram a aparecer, e a Coroa, procurando atalhar as reclamações, optou por proibir a nomeação de desembargadores brasileiros. Foi então que os vereadores perceberam que a medida se voltava contra eles mesmos. Entre as escassas oportunidades de ascensão social, a magistratura era um prêmio a coroar as ambições dos lavradores que, majoritariamente, integravam as mesas de vereação. O sucesso na lavoura possibilitava enviar os filhos a Coimbra - único centro de estudos na área jurídica - garantindo-lhes um futuro tranqüilo e acrescentando ao poder econômico dos pais o prestígio social que representava ter na família um representante da Coroa. Mas esse esforço seria quase inútil se os filhos fossem obrigados a escolher entre permanecer na Europa ou contentar-se com funções burocráticas menores.

Assim, em 1671, a própria Câmara assumiria a defesa dos excluídos, suplicando ao rei que mandasse "reparar hum damno tão afrontozo para os filhos do Brazil". Alegava a Câmara que "os que de prezente os são não devem nada a nenhum dos mais". Destacava o esforço de guerra desenvolvido pelos brasileiros e, em especial, pelos baianos "a quem Vossa Alteza por seus Serviços concedeo os Previlegios de Infanções e outras muitas mercêz de que estão de posse" e questionava: "se elles são Capazes do Posto e dos da Guerra em que Vossa Alteza os tem providos e todos servidos a Vossa Alteza com as vidas e Fazendas, que razão haverá que os prive de Servirem a Vossa Alteza na Patria quando os dessa Corte o exercem na sua".

O memorial de 1643 passou a ser apreciado pelo Conselho Ultramarino, apreciação que, como era habitual, demorou vários anos. À semelhança das vezes anteriores, autoridades coloniais e metropolitanas foram consultadas, destacando-se, por paradoxais, as opiniões de Luiz Salema de Carvalho, magistrado que se encontrava em missão no Brasil. Opondo-se à restauração do tribunal com uma visão surpreendentemente crítica sobre a atuação da sua própria classe, Carvalho indicou que essa ação significaria "guardar ovelhas dos lobos por mandar mais lobos". Vencido o seu parecer, ele seria um dos primeiros a integrar a Relação restaurada, tomando posse do seu cargo em 3 de março de 1653.

Entretanto, os baianos insistiam nas suas petições. Em 30 de março de 1651, o Conselho Ultramarino concluía a elaboração do novo regimento, mas os vereadores ainda não sabiam disso. Numa nova carta a D. João IV, insistiam nas suas reivindicações e, à procura de soluções de baixo custo, sugeriam que o tribunal fosse parcialmente integrado por autoridades já em exercício, "que podem ser o Provedor mor da Fazenda com o mesmo soldo, o dos defuntos com o seu, o Ouvidor Geral e o Procurador da Fazenda, que nesta Cidade tem soldo". Assim, a reinstalação poderia ser feita "com muito pouco gasto da Fazenda de Vossa Magestade". Quanto aos membros novos, esclarecia que "se sustentarão com as despezas da Justiça, que são grandes e com ella ficarão sendo maiores".

Essas preocupações também existiam em Lisboa. Poderia a ainda fraca economia colonial sustentar uma corte de desembargadores? Atendendo a essa objeção, o Conselho Ultramarino resolveu prescindir dos desembargadores extravagantes, reduzindo a constituição do tribunal a oito magistrados: "um Chanceler, que servirá tambem de Juiz da Chancellaria; dous Desembargadores do aggravo; um Ouvidor Geral dos feitos e causas crimes, que tambem ha de ser Auditor da gente de Guerra, outro Ouvidor Geral dos feitos e causas civeis, que da mesma maneira ha de servir de Auditor das causas civeis entre os Privilegiados e Soldados; um Juiz dos Feitos da Corôa, Fazenda e Fisco; um Procurador dos Feitos da Corôa, Fazenda e Fisco, e Promotor da Justiça; e um Provedor das fazendas dos Defuntos, Ausentes e Residuos". Na comparação com a estrutura anterior, verifica-se que foi omitido um agravista, aumentando-se, em compensação, o número e a especialização dos ouvidores. Essa reforma, de orientação eminentemente pragmática, privilegiava o caráter resolutivo dos ouvidores sobre o deliberativo dos agravistas, tendendo, evidentemente, a uma administração de justiça mais célere. A redução na quantidade de desembargadores, de fato insuficiente para as necessidades da colônia, tem ofuscado a visão dos aspectos estruturais do novo regimento. Essa reforma, aparentemente bem sucedida, foi conservada e aplicada aos regimentos de todas as Relações posteriores. O número de agravistas foi progressivamente aumentado, mas as funções dos ouvidores permaneceram separadas e os desembargadores extravagantes desapareceram para sempre.


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